Carlos comprou, em pó, 100 gramas de felicidade e 900 de paciência.
Não os misturou. Fez como seu tio lhe tinha dito. Infusão de felicidade ao deitar e tisana de paciência ao pequeno almoço.
Carla nunca compreendeu aquele tratamento. O mal de Carlos era a preguiça, dizia ela. E dizia-o a todos os que a queriam ouvir.
Não fora ela que casara com ele mas sim ele com ela. Carla teria casado com qualquer um. Um homem era todo o seu sonho de vida, não por ele, mas por um lar. Por vida social. Para poder conversar sobre o que gostava. E gostava do que julgava importante. Não sabia que a julgavam por isso e que importante era coisa que ninguém a achava.
Carla não era bonita mas era casada. Sina de quem é mulher, ou quer sê-lo.
Carlos não tinha maior importância. Não era importante, sabia-o. Ninguém é importante. Só se o é quando se morre e aí já não importa.
Carlos fez-se aturar por 10 anos e aturou Carla por 20.
Ela era-lhe superior. Nunca mostrou ser fraca. Fazia gala em que se soubesse que a mulher do marido era mulher a sério. Independente. Moderna. Inculta. Incapaz de distinguir, não o bem do mal, porque esses distiguia-os bem mas ao contrário, mas sim a vida da morte. Ninguém morre, dizia. Para o céu vamos todos os bons. Vivemos para morrer e morremos para viver.
Também Carlos começou a não fazer bem a distinção. Quando os 900 gramas de paciência se acabaram não comprou mais do mesmo.
Passou pela espingardaria e comprou munições.
Mas era tão preguiçoso que não havia decidido ainda entre a prisão e o cemitério.
made in eu
sexta-feira, 6 de julho de 2007
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2 comentários:
Deveria ter comprado também umas gramas de bom senso!
concordo.
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