sexta-feira, 23 de novembro de 2007

por um par de pernas

- Ouve lá ainda mádes contar essa história deves pensar queu estou a dormir na parada azar meu querido mas viram-te e olha quem eu tenho amigas amigas pázinho ranhoso que me farto aqui de trabalhar és homem não vales nada eu é que sou burra, a ti? A ti? Deves estar muito enganado muito enganadinho se pensas que isto fica assim ah mas ela vai saber ela e tu que ainda ontem te passei a roupa a ferro ir jantar? Jantar? Deves estar louquinho tu louquinho da mona se pensas queu ia agora contigo porra que metes nojo nem pensaste queu ia saber pois não? Mas tenho muitas amigas muitas amigas…

Por um par de pernas, pensou, por um par de pernas boas, aturar isto há anos…

- Não vales nada nada ó pensas calguém tatura? Hem, não dizes nada né? Aí caladinho desgraçado que nem a merda das meias pões no cesto aquela puta séria sou eu e ela équié boa e como foram logo apanhados coitadinhos pensavam que ninguém os via hádes vir comer ainda aqui…

Voltou-se Freud na sepultura. Deu uma volta sobre si, o iceberg do consciente. O ego tornou-se super e o super, ego. O subconsciente submergiu e como que se pulverizou de LSD, e os sons passaram as marcas da evolução, e as cores as da civilização, e cegueira tomou o lugar de visão e a visão a da naturalidade.

Como uma gazela enfrentando um leão. Com consciência ou sem ela, o leão precisa de nada apenas porque não sabendo que é leão não quer saber que é gazela.

- Devia pensar queu não ia saber aquela miserável ela que venha queu quero ver queu quero…

Percorreu a mão o espaço necessário à força suficiente para que silêncio se fizesse.

Do outro lado da parede ouviria quem lá estivesse ou quem se cruzasse na linha:
- Mãe, bateu-me.
- Para que vejas que eles são todos iguais. Para que saibas o que passei com o teu pai…

made in eu

5 comentários:

Anónimo disse...

Está bem, está muito bem. Está cada vez melhor. É um excelente texto. Foda-se é para isto que também serve a língua!

jc

Simone disse...

Excelente! Relata o infortúnio porque tantas mulheres ainda passam... Algumas "comem e calam", outras já se vão libertando dos seus carrascos.
Bom fim-de-semana

aorta disse...

Precisamente hoje, ouvi uma história que poderia muito bem ser esta.
O que ainda não consigo entender é o porquê das mulheres não se conseguirem libertar.

osbandalhos disse...

A/C Aorta:

... Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.

Guardador de Rebanhos
A. Caeiro

João Paulo Pedrosa disse...

Texto brilhante, sobre uma estalada certeira e eficaz. Perdeu a razão, pois claro, com a sua manápula, mas depois acabou por não perder tudo. Quotidiano triste...