sábado, 19 de agosto de 2006

A virtude acabou?
(com desculpas pela ingenuidade da pergunta)

Muitos terão já reparado como, de há alguns anos para cá, a palavra “virtualidade”, normalmente no plural, se instalou no discurso político, e daí vem passando para o discurso em geral. Expressões como “este projecto contém virtualidades que…”, ou “as virtualidades contidas neste trabalho…” e até, por vezes, em referência a pessoas, como “as virtualidades da sua conduta são um exemplo para todos nós”, e por aí adiante. Como todos saberão, tratam-se de referências à VIRTUDE, palavra aplicável a comportamentos virtuosos, excelência moral, aspectos positivos de qualquer coisa, etc. Como todos também (ainda) se lembrarão, virtualidade vem de virtual, que significa algo que, sendo possível, plausível, não existe realmente. Ora, isto é a prova de que a virtude acabou, desapareceu (sim, já se sabia, mas faltava(?) a prova...). Desapareceu primeiro do comportamento, e depois do discurso, que acompanha sempre a realidade com algum atraso (tal como a legislação e a religião, ainda mais atrasadas que o discurso). Assim, actualmente, quando os políticos e outras pessoas assimiladas se querem referir à virtude, como esta já não existe – ou assim se quer fazer crer - falam de virtualidade, de algo que não existe realmente. Como também se sabe, poucas formas de fazer desaparecer algo (ideias, acontecimentos, pessoas, alguma virtude que ainda ande por aí, extraviada….) são tão eficazes como deixar de falar nelas, eliminá-las do discurso, primeiro, e da linguagem, finalmente. E o discurso é sempre um espelho de quem o produz, das pessoas e da sociedade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom, estava a ver que este blog se tinha esquecido das torradinhas, era só piadinhas, graçolas e outras bandalheiras.
Bem hajas! bandalho que tão bem escreveste com tanto sentido crítico.
Não há por aí ninguém com conhecimentos no meio da nossa realeza (a española, bem entendido)que proponha este bandalho para um título nobiliárquico, um barão, ou marquês, por tão bem escrever sobre a virtude?