Pereira disse-me que já tinha sido polícia. Pobre Pereira. Não por ele, que é igual a todos, mas pela farda. Pereira cumpria ordens apenas para justificar o salário. E ainda assim era desprezado. Sentia-se útil à sociedade, ou assim pensou quando conseguiu passar nos testes. Mas o que Pereira não sabia é que tinha de ir conferir os documentos dos automóveis e dos condutores. Ainda assim, tinha de parecer sentir-se importante e autoritário quando sabia bem que os automobilistas o viam como uma merda que apenas lhes atrasava a vida.
Pereira veio-me à ideia quando António me contou que tinha sido mandado parar por um aparato policial que mais parecia uma guerra. Agentes de luvas sem dedos com armas automáticas. Uma carrinha da polícia bloqueava a estrada, forçando todos os automóveis a irem para um parque. Filhos da puta, pensou, não terão mais nada de útil para fazer, quando há roubos a toda a hora e em todo o sítio?
António, já atrasado para chegar a casa, ouviu um agente, sem espigarda, pedir-lhe os documentos da viatura - a puta que te pariu, meu merdas, pensou - O agente devolveu-lhe os documentos, sempre com uma seriedade que fez rir António. O senhor ficou-me com um cartão? É a carta. Se não se importa, saia para vir fazer o teste do alcool. 'Esta noite deves bater uma à conta, idiota' Saído da viatura, é assim que a polícia chama aos carros - as financeiras chamam-lhes automóveis, quando querem emprestar dinheiro a juros policiais - António foi soprar no 'balão'. A boquilha vem fechada num saco, parecendo não ter sido utilizada antes. Vai encher o peito de ar e soprar até eu mandar parar, ter-lhe-á dito o polícia com mais boca de brochista do que de boquilha, assim pareceu a António. Soprado que foi o aparelho, António foi mandado embora. António tinha bebido vinho ao jantar mas o aparelho não detetou vestígios de alcool, ou acetona, para ser mais preciso, no ar expelido. No sangue teria sido diferente. Afinal o truque resulta mesmo, e eu que me ri tanto quando António jurava a pés juntos que sabia como enganar o 'balão', tal qual um espião passa pelo detetor de mentiras. António pediu ao agente uma prenda, como tinha visto dar na televisão aos condutores que não bebiam, mas o polícia disse-lhe que naquela noite não tinham prendas para oferecer. O 'artista' continuava à entrada do parque, estático como um manequim, com luvas sem dedos e arma automática.
Resumindo, acredito que há mesmo mulheres com tara pelas fardas. Sendo a da polícia, talvez vão mais além e seja o bastão o pomo de concórdia.
Num futuro próximo, poderá ser assim um diálogo familiar:
- Contas-me o teu dia de trabalho?
- Vi um gajo soprar no balão que me excitou para além do razoável. Por isso hoje deixa-te de chupar e sopra; enches o peito de ar e sopras até eu te mandar parar.
made in eu
domingo, 14 de setembro de 2014
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